segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Brilho


-- Eu te amo.

A fina brisa entrava pela porta da varanda. Era um dia chuvoso de inverno, daqueles que vêm para acabar com a seca e a mesmice da disparada de céus azuis. O ar estava menos denso e mais palpável. Aguardada, a chuva lavava a alma de muitos. A minha, no entanto, ela parecia sugar. Aquele vento cortou-me as entranhas, arrepiando cada pelo em meu corpo.

Eu jamais deveria ter dito aquilo. Era um erro. Eu jogara do oitavo andar tudo aquilo que poderia ter sido, tudo o que poderíamos ter vivido.                
Entre um gole e outro de vinho, o fascinante brilho de seus olhos castanhos deixaram meus lábios sem sua censura típica.    
           
Censura, sim. Somos feitos para selecionarmos aquilo que falamos. Nossa linguagem é feita de peneiras acumuladas de experiências vividas. Somente dizemos aquilo que ainda não fora proibido por nós mesmos. Nossos pensamentos bloqueiam as falas bobas, sem sentido, porém por tantas vezes também detém aquilo que sentimos no profundo de nosso ser. São mil sinapses antes de decidirmos traduzi-las em palavras. E, quando traduzidas, pode ser tarde demais.

E navego. Pelas turvas águas dos meus pensamentos, procurando enfrentar o medo de dizer-lhe a verdade. Parece que enfrento uma tempestade aguardando aportar no conforto de seus braços, mas sem a certeza de um dia lá chegar. A imensidão das águas pode engolir a pequena embarcação. No horizonte há uma certeza. O sol voltará a nascer, sua luz é confortante, precisa.
Assim como os olhos.
Que carecem de qualquer censura.
Seu brilho não passa por nenhum filtro, senão o da alma. É a plena transcrição de nós mesmos. Antes de dizer qualquer coisa, os olhos já denunciam. De tantos brilhos possíveis, conseguirei ler todos? Uma linguagem universal, não é preciso palavras, apenas luz. Inexplicável.

Nos seus li tantas coisas que consegui romper as travas das censuras, dizendo aquilo que realmente sentia.

Mas não era o momento, escapou de meus lábios e não pude controlar. O que eu poderia fazer agora?

Abri a porta. Olhei a metrópole pulsante aos meus pés. Tantas coisas estavam acontecendo e minha preocupação uma só. Dei um gole do vinho sozinho, pensando no que fazer.

Minhas costas para você não eram ignorar, mas sim a vergonha de não saber o que dizer.
Então algo me toca o ombro.
Leio em seus olhos antes de você dizer.

-- Eu também.

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