sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Sobre Bob Dylan, grãos de areia, ondas e estrelas.

And admit that the waters
Around you have grown
And accept it that soon
You'll be drenched to the bone.
If your time to you
Is worth savin'
Then you better start swimmin'
Or you'll sink like a stone
For the times they are a-changin'
               
               Não sei quanto tempo esperei para isso. Para que a sutil luz do pôr-do-sol entrasse pelo porta-malas aberto do Jeep, enfim o destino final da longa jornada. Totalmente só na infinidade de areia. Meu avô, que jamais conheceu o mar, certa vez me disse que há mais estrelas no universo que grãos de área na terra. Ele adorava contar fatos assim, surpreendentes, que jamais saberíamos se eram verdade ou não. Eu decidia acreditar, mal podendo esperar para o próximo. Ainda que homem tão simples, do campo, era para mim a pessoa mais sábia que já conheci. Estremeço. Não pensava nele há muito tempo. Não mais consigo lembrar todos os detalhes de seu rosto. O tempo é cruel, inabalável. Seriam agora as curvas de minha velhice parecidas com as dele?

                A praia é longa, a percorri por quase uma hora até conhecer seu fim, quando algumas rochas esparsas tocam o sopé da montanha coberta por uma vegetação rasteira, salpicada pelo ritmo do mar. As marcas do pneu ficam para trás, já sendo parcialmente cobertas pelo vento incessante. Um casal de gaivotas descansa ao longe, o único traço visível de vida por quilômetros. Sem saber que as ondas que se quebram em infinitas borbulhas de um compasso repetido escondem um novo mundo e que tal compassar, na verdade, não se repete jamais. Minha pele, já muito bronzeada e castigada pelo tempo, denuncia a vida de um velejador que numa manhã cinzenta de setembro despertou e decidiu iniciar seu sonho. Que naquela manhã fria enfim começou a cruzar a ponte entre a vida e os sonhos, eterna pergunta sem respostas, de um dirigir na mais densa neblina, onde não se vê sequer um palmo à frente.

Tantos creem que a ponte se constrói apenas com esforço, trabalho, para num dia longínquo poder cruzá-la. No entanto eu me recuso a ser tão pragmático.  A ponte só existe quando enxergamos por intuição e , a despeito dos nevoeiros, firmam-se as mãos ao volante, de maneira ainda mais forte. Mesmo que por anos intermináveis se conduza sem ter certeza alguma do porvir.

Pele que também se enrijeceu após aprender a não só velejar, mas também mergulhar, sem volta e de cabeça, naquele novo mundo azul, do farfalhar das ondas e do temor da fossa abissal de sua morte. Dor irrefutável. Sonho que era nosso, porém que fez da ponte caminho para apenas um. Meu cenho perdeu algumas curvas de nossos sorrisos juntos, mas ganhou a certeza que o caminho almejado seria vencido, agora em  sua homenagem. Era  obrigação daquele rosto ancião conhecer lugares longínquos, vencendo as ondas bravias em todas as direções possíveis.

Será que meu avô também contava com a areia do fundo do mar?

Começa a escurecer de verdade. Já são quase 9 horas e pouca luz invade os vidros. Estrelas faíscam na moldura de nosso mundo. Minha pele tão quente, exposta ao fulgor constante, enfim encontrara seu sopor.

Numa praia de sonhos, com um exército de si mesmo, velejador solitário que vence a solidão. Observo uma estrela cadente ao longe, como que querendo resgatar o brilho de meus olhos. 



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