segunda-feira, 21 de maio de 2018

A cueca


A cueca
               Doutor Ernesto era um tipaço. Faz tempo que não vejo o sujeito. Dizia que quando se aposentasse ia mudar pro interior plantar tomates. Deve ter mudado mesmo. E como gostava de tomate! O maluco punha tomate até no que já tinha tomate. Suco? Só de tomate, claro! Mas tinha uma razão para isso. Ele era cirurgião. Não lembro de quê agora, acho que do coração. Isso mesmo, do coração! E dizia que se todo mundo comesse tanto tomate assim ele teria é metade do serviço na mesa de cirurgia. Eu, que achei melhor não contrariar o doutor, passei a comer muito mais tomate. E até agora tô vivo! Mas enfim, além de gostar de tomates e ser cirurgião ele era também japonês. Bem japa mesmo, o pai e a mãe dele tinham vindo do Japão direto pra Santos. Só nunca descobri por que chamava Ernesto, vai saber. Ele falava fluentemente o idioma e era todo apegado às tradições de lá. E ô cara metódico. Juro. Bem estereótipo de japonês mesmo, fazia tudo certinho. Colocava lixo no bolso para não jogar nem na rua nem na lixeira. Era o lixo dele, dizia, ele que tinha que cuidar. Dava seta no carro mesmo que fosse três da manhã numa rua escura da Brasilândia. Nunca começava uma frase sem bom dia ou por favor. Falava baixinho, sabe? Como se tivesse é pedindo desculpas por falar. E tinha horário pra tudo o doutor. Acordava todos os dias às 06:30 da manhã, mesmo que fosse feriado ou sei lá, tivesse caindo o mundo. Tomava um copo de suco(de tomate) e ia correr pro Ibirapuera. Dava duas voltas, pegava o carro e, em dia da semana já ia pro hospital direto. Tomava banho lá e só saía às sete da noite. Passava na padaria e voltava pra casa. Dava pra acertar o relógio vendo o doutor passar, sério. Mesmo com trânsito o danado nunca atrasava pra nada. Usava sempre uma camisa de cor clara, uma calça social caqui e sapatos marrons. Quando batia um vento ele vinha com um coletinho, nada muito pesado.

                Nos conhecemos aqui no bar mesmo. Sim, ele vinha pra cá. Tomava dois chopes. Um no primeiro tempo e outro no segundo. Nunca a mais, nunca a menos. É que eu esqueci de falar o mais importante. Além de gostar de tomates, ser cirurgião e japonês, o doutor era corintiano. E não era pouco não, desses que só vêm pra ver libertadores. Ele vinha era pra ver até a copinha. Mas quem visse ele aqui não imaginava que era cirurgião, todo comportado, todo educado não. Da porta pra dentro do bar o japa virava quase um holligan. Falava palavrão pra caralho, se deixasse xingava até o mascote, juro. E como vibrava com um gol então. Era daqueles sujeitos que o jogo fica até melhor sentando do lado, abraçava todo mundo, berrava de estourar as cordas e se o timão metia mais de cinco pagava até umas rodadas pra galera(pra ele não, eram só dois mesmo). Fui conhecendo o doutor e ficava impressionado com a mudança do cara. Começamos a ir pro Pacaembu juntos. No primeiro dia que fomos ele passou em casa e eu jurava que ele ia botar uma camisa do Coringão né, mas que nada. Era camisa, calça caqui e sapatos marrons. Ele pegava fila certinho e acho que era a única criatura do estádio que sentava no lugar marcado. Mas juiz apitou, pronto, já sabe.

                Até que chegou o grande dia, o mais esperado da vida de qualquer corintiano. A grande final da liberta de 2012. Corinthians e Boca, as torcidas mais apaixonadas das Américas. Romarinho tinha metido um lá na Bombonera, encobrindo o goleiro. Agora era só ganhar em casa. Só não né, tava todo mundo quase tendo um ataque do coração dois dias antes do jogo, sem dormir nada, sabe como é. Se o timão perdesse o doutor ia operar metade do estádio.      

                Fomos juntos e ele encasquetava que tinha que chegar duas horas antes. E nada de comer espetinho ou tomar breja na porta do estádio não, tinha que entrar duas horas antes. Eu perguntava o porquê. Ele gostava de sentir a vibração do estádio, dizia. A gente tava quase chegando no Pacaembu quando o doutor ficou todo branco. Pensei que era do jogo né, aquilo lá tava mexendo com qualquer um. Mas não. Ele falou que a gente ia é precisar voltar pra zona norte. Eu pensei que ele tava ficando maluco, correr o risco de perder o jogo, imagina! Mas não mesmo! Ele insistiu, disse que precisava voltar de qualquer jeito, tava quase chorando o doutor. E sem explicar o porquê. Tudo bem pensei, a gente ia é ver o Corinthians ser campeão juntos. Ele voltou bem rapidinho no Corolla dele(mas continuou dando seta). Entrei na casa, toda arrumadinha e ele disse que só ia trocar a cueca. Que sem a cueca da sorte o timão não ia ganhar não.

                Trocou e voltamos. O timão ganhou, foi campeão e ele até tomou três chopes aquele dia. Era a cueca.
               


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